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A verdade sobre a carne, o câncer e a OMS

Muitos interesses por trás da declaração da OMS

Vicente é o responsável pelo blog No Vuelvo a Engordar (Não Volto a Engordar), um entusiasta do consumo de proteínas e um detrator dos carboidratos. E, também, é uma das vozes que se levantou contra o que foi exposto recentemente pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Neste artigo ele vai te contar por que comer carne não é algo necessariamente cancerígeno.

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Sem dúvida alguma, as declarações recentes da OMS sobre o potencial cancerígeno que teriam as carnes processadas (e também algumas carnes vermelhas) trouxe muita polêmica pela frente. Por isso mesmo, nada melhor do que escutar a opinião de um verdadeiro especialista na matéria, como é o Vicente, do blog No Vuelvo a Engordar. Ele escreveu um interessantíssimo artigo no qual expõe seus argumentos de por que a carne não é tão ruim como a OMS na realidade sugere.

Quem é o Vicente

Meu nome é Vicente e sou engenheiro. Embora costume opinar sobre nutrição, minha formação acadêmica não tem a ver com esta área. Minhas circunstâncias pessoais (era obeso há três anos) me levaram a me interessar pela comida e seus efeitos sobre a saúde. Sou mais um cidadão qualquer: não vendo livros, nem vendo produtos, nem vendo dietas de emagrecimento, nem há uma motivação econômica por trás das minhas opiniões. Eu posso estar enganado, mas não tenho interesse em enganar ninguém.

O recente comunicado da OMS sobre os riscos associados ao consumo de carne, assim como a mídia, deixaram uma coisa em evidência: precisamos de mais formação em assuntos de nutrição. De outro modo estamos desprotegidos, pois não somos capazes de valorizar adequadamente notícias como esta. Minha intenção é fazer um pequeno resumo de ideias que ajude a valorizar o relatório da OMS e em geral outras informações que nos chegam de outras fontes relativas aos hábitos de vida saudáveis.

A primeira coisa em que quero que a gente repare é em como a OMS, tendo dados muito frágeis unicamente contra as carnes processadas, fez o que foi possível para envolver também as carnes vermelhas em seu ataque. Com relação às carnes vermelhas, não forneceram nem dados frágeis (ver). Para mim isto demonstra que há uma intencionalidade por trás deste ataque contra os produtos de carne.

Estudos observacionais e estudos de intervenção

No campo da nutrição, os estudos científicos o que pretendem é, em geral, verificar que efeito tem sobre a saúde um determinado componente da dieta. Um grupo de participantes deve incluir esse componente na sua dieta e o resto não, e no estudo se comparam os resultados na saúde ou indicadores de saúde de ambos os grupos. Mas nem todos os estudos científicos que se publicam no campo da nutrição são iguais. Há dois grandes categorias: os estudos observacionais e os estudos de intervenção.

Em um estudo de intervenção:

  • De maneira ideal os participantes se dividem aleatoriamente entre os dois grupos.
  • Se for possível, tenta-se que os participantes não saibam a que grupo pertencem e que nem sequer os investigadores saibam, tenta-se que as dietas de ambos os grupos sejam o mais parecidas possível e que só se diferenciem pelo componente da dieta que se quer estudar.
  • Se der, se dá a comida aos participantes para evitar que a dieta real seja diferente da planejada.
  • Segundo o caso, pode ser conveniente que exista um grupo de participantes que incorpore na sua dieta um componente inerte em vez do componente sob estudo. É o grupo “placebo”. Dessa forma pode-se verificar se o efeito detectado tem a ver realmente com esse componente, ou com outra característica da intervenção.

Por outro lado estão os estudos observacionais:

  • Nestes estudos o que se faz é coletar informação de hábitos de dieta e de prevalência de doenças, e se estudam relações estatísticas entre ambos os tipos de informações.
  • Em geral, quanto maior for o número de participantes, mais confiáveis serão as conclusões, pois se minimiza a possibilidade de que sejam devidas ao acaso, por ter selecionado participantes pouco representativos da população em geral.
  • Mas não é assim necessariamente, já que, logicamente, quanto maior o número de participantes, menos detalhado será o seguimento destes pelos investigadores.

Os estudos observacionais têm um grande problema: não existe designação aleatória dos hábitos alimentares, já que cada participante decide livremente como se alimenta. Por que isso é importante? Suponhamos que fazemos o seguinte experimento: divulgamos entre a população a falsa ideia de que o consumo de aipo produz câncer. E alguns anos mais tarde fazemos um estudo observacional, encontrando nesse estudo que há uma marcante relação entre consumo de aipo e câncer, e também com doenças cardiovasculares.

O que aconteceu? Como é possível que tenhamos encontrado essa relação, se a mensagem inicial era falsa? A explicação é que se a gente acha que o consumo de aipo não é saudável, quem consumiu aipo depois da divulgação da mensagem? Os que não levam a sério as recomendações sobre hábitos saudáveis, ou seja, gente que provavelmente fume, não pratique esportes, beba abundante álcool, etc.

Têm pior saúde por consumir aipo ou por serem pessoas que se cuidam pouco? E talvez também os que se cuidam pouco são as pessoas com menos recursos econômicos, os que possivelmente trabalham em entornos mais tóxicos e os que têm pior formação acadêmica. A relação entre aipo e doença teria uma explicação, mas seria meramente matemática: seu consumo não causaria doenças.

carnes procesadas

O caso da carne

Há organizações que levam anos lançando a mensagem de que o consumo de carne tem efeitos nocivos sobre a saúde. Independentemente de que essa mensagem seja certa ou falsa (eu acho que é falsa), ocorre como com o exemplo do aipo: encontrar nesse momento uma relação estatística entre consumo de carne e câncer não é nenhuma surpresa. A única forma de verificar se há uma relação causa-efeito, se realmente o consumo de carne causa câncer, é com um estudo de intervenção.

Levando em conta a baixa prevalência do câncer colorretal, que é do que fala a OMS, e que falamos de doenças que demoram muitos anos em se desenvolver, um estudo bem feito precisaria de centenas de milhares de participantes, e de dezenas de anos de duração. Cabe pensar que esse estudo não vai se realizar nunca. Mas isso não torna boas as conclusões obtidas a partir de estudos observacionais. Pode ser que sejam os melhores dados que vamos ter em todos os tempos, mas continuam sendo muito deficientes para fazer recomendações à população sobre como devem se alimentar.

Em poucas palavras, nos estudos usados pela OMS não podemos saber se a frágil relação encontrada entre consumo de carne e câncer se deve a que é a população de maior risco a que, por alguma razão desconhecida, consome mais carne processada ou carne vermelha que o resto da população, ou se pelo contrário o consumo de carne está danificando a saúde das pessoas.

Pode ser inclusive que a verdadeira causa seja um hábito associado ao consumo de carne processada, como por exemplo um alimento que se costuma consumir com ela. Quando os cientistas tentam paliar esses fatores de confusão processando os dados, costumam obter que as relações matemáticas se fragilizam. Vamos adicionar outra coisa: a informação do que consomem os participantes nos estudos observacionais não é confiável.

Suponho que com tudo isso se entende que as recomendações sobre como comer procedentes das nossas autoridades tenham dado com frequência giros muito bruscos: um dia os ovos, a manteiga, a gordura saturada, etc. são saudáveis e no dia seguinte puro veneno. Os estudos observacionais são uma fonte inesgotável de desinformação.

Como eu dizia, a grande vantagem dos estudos de intervenção é a aleatorização: os participantes não escolhem o que fazer em função da sua formação acadêmica, estatus social, nível aquisitivo, etc. Se o número de participantes é suficientemente grande, pode-se supor que as diferenças entre grupos só serão devidas às diferenças entre suas dietas.

Mas os dados usados pela OMS para atacar o consumo de carne procedem basicamente de estudos epidemiológicos. E esses estudos são muito inexatos para tirar conclusões quando as relações matemáticas observadas são frágeis, como é o caso. Quando se pode deduzir uma relação causa-efeito de um estudo observacional? Ou em outras palavras, podemos deduzir que a carne causa câncer, com base nos estudos utilizados pela OMS?

A primeira coisa que temos que pensar é que os mesmos problemas que se manifestam num estudo observacional, e que invalidam seus resultados, podem se produzir cada vez que se realiza um novo estudo do mesmo tipo. Juntar vários estudos observacionais não reduz o problema. Em vez de um estudo sem utilidade passamos a ter vários estudos inúteis.

Há condições sob as quais os investigadores supõem que os estudos observacionais permitem sim aventurar que duas variáveis relacionadas têm uma relação causa-efeito (ou seja que uma produz a outra). Para não me prolongar demais, cito só os critérios mais importantes no meu ponto de vista, e especifico, para que se entenda melhor, no caso carne-câncer:

  • Temporalidade. O câncer se manifesta depois de se iniciar o consumo de carne.
  • Fortaleza. Há pelo menos o dobro de casos de câncer no grupo que consome carne com relação ao que não o faz.
  • Aumentando a dose. Quanto maior a quantidade de carne, maior a quantidade de câncer.
  • Verossimilhança. Existe uma explicação razoável do mecanismo pelo qual se produz o efeito.
  • Consistência. O resultado se obtém uma e outra vez, de forma consistente.
  • Foram descartadas outras explicações.
  • Evidência experimental. Algum tipo de experimento corrobora a hipótese.

Comento um a um para o caso que estamos vendo:

  • Do ponto de vista do tempo, a causalidade será colocada em dúvida: a carne se consumiu sempre, e agora, de repente, causa câncer?
  • Os estudos usados pela OMS não cumprem este critério. O efeito observado é insuficientemente forte para dizer que a carne causa câncer.
  • Os estudos usados pela OMS não cumprem este critério. Em alguns estudos o grupo com menor consumo de carne tinha maior mortalidade que grupos com um consumo moderado.
  • O mecanismo que se mencionou não tem a ver com a carne, mas sim com a temperatura: não parece conveniente aplicar calor excessivo à carne nem aplicar diretamente a chama. Nada que objetar quanto a isso, mas não tem a ver com a carne mas sim com uma má preparação ou cozimento.
  • Não ponho em dúvida, mas em si mesmo não demonstra nada, pois depende de se a verdadeira razão pela qual se encontra uma frágil associação matemática carne processada-câncer está presente sempre.
  • Não se sabe muito bem por que se produz o câncer, razão pela qual eu diria que não se descartaram outras explicações. De fato, outros estudos epidemiológicos encontram relações entre o câncer e outras características da dieta, como a quantidade de carboidratos (ver, ver). E o câncer colorretal, que é do qual fala a OMS, é mais frequente nos vegetarianos que nos consumidores de carne. Difícil argumentar que é a carne que o causa.
  • Que eu tenha visto, a OMS não nos falou de nenhum experimento. De fato, reconhecem que “Existe evidência inadequada em experimentos com animais sobre a carcinogenicidade do consumo de carne vermelha ou carne processada”. Evidência inadequada quer dizer que não satisfaz seus interesses. Por exemplo, há um experimento com ratos no qual o consumo de bacon parecia benéfico para as lesões cancerígenas.

Os verdadeiros dados e o bom senso

Os meios de comunicação compararam o consumo de carne com fumar. A relação matemática entre fumar e câncer de pulmão é 100 vezes mais forte que a que se encontrou entre o consumo de carne processada e câncer colorretal. São casos absolutamente diferentes.

No caso do tabaco a relação matemática é tão forte que é possível afirmar que o tabaco causa câncer de pulmão. No caso da carne é justo o contrário: se houvesse algo de verdade na acusação, dificilmente a relação matemática entre consumo de carne e câncer seria tão fraca. O mais provável é que seja um artefato matemático devido ao tipo de estudo. Se isso fosse um julgamento, seria o advogado defensor que usaria os dados como prova de inocência: “se buscou a relação e não se encontrou”.

Embora tenham nos falado de um aumento do risco de contrair câncer colorretal de 18% para cada 50g diários de carne processada, reitero que não é aceitável que tentem nos fazer acreditar que há uma relação causa-efeito. Mas é que além do dado de 18% é um engano estatístico: nos dizem que uma de cada cinco pessoas seria afetada, mas não é assim.

A OMS nunca deveria ter tentado nos manipular nos dizendo que dados tão frágeis são evidência sólida. Mas isso não quer dizer que não possa haver algo de verdade, algo de perigoso associado ao consumo da carne.

Por precaução, parece razoável, ao cozinhar a carne, evitar queimá-la diretamente com a chama, assim como evitar usar temperaturas extremas que possam criar compostos suspeitos de ser cancerígenos. Não abuse do churrasco. Acompanhe a carne com verdura fresca. E na medida do possível parece boa ideia optar por produtos naturais, os que têm um único ingrediente, em vez de produtos processados que os fabricantes recheiam com todo tipo de compostos. Você já olhou por curiosidade que porcentagem de carne tem no presunto York ou presunto cozido? Se consumimos embutido, que seja de qualidade, em vez de produtos industriais. Comer sobretudo comida de verdade cozinhada em casa, não porque diz a OMS, mas sim porque é o que diz o bom senso.

Com sua mensagem alarmista, a OMS colocou no mesmo lote todo tipo de produtos, mas não todas as carnes processadas têm os mesmos ingredientes nem sofrem o mesmo processamento.

Comentário final

Para mim é importante ler e aprender sobre nutrição. É necessária uma mínima formação para poder ser críticos com as mensagens que nos chegam constantemente sobre como levar uma vida saudável. Não é boa ideia, na minha opinião, confiar em que outros atuam pelo bem da nossa saúde.

O que eu acredito é que a OMS ataca a carne por razões políticas (sustentabilidade, mudança climática, etc.) e portanto alheias ao efeito sobre sua saúde. Mas decidir que credibilidade você dá às suas mensagens é tarefa sua: não quero te convencer que a mensagem da OMS é interessada e que carece de fundamento, mas sim que você olhe os dados originais, de que busque outros artigos que relacionam outros componentes da dieta com o câncer, e de que leia sobre as carências, como evidência científica, dos estudos observacionais. Leia também os que dizem que a evidência contra a carne é abrumadora, vamos ver que argumentos te dão.

Outras colaborações do Vicente

Gostou deste artigo? Pois então você não tem que perder as outras vezes nas quais o Vicente participou neste blog. Sempre com esse olhar cético e tão fundamentado que o caracteriza, disse coisas muito interessantes sobre todo tipo de questões referidas à alimentação. Não perca.

  • Sobre a gordura. Vicente é um grande defensor do consumo de gorduras saturadas. Saiba por que, pois é uma postura que muitos podem considerar polêmica, mas muito fundamentada.
  • Sobre as dietas baixas em carboidratos. A dieta que leva adiante é uma dieta low carb. E está completamente convencido de que essa é a melhor forma de se alimentar, te contando por quê.
  • Sobre como fez para emagrecer. Justamente, através de uma dieta low carb, Vicente conseguiu baixar 24 quilos e se manter. Conheça sua fórmula para ficar em forma.

Você acha que as carnes processadas são realmente cancerígenas?

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